Por Rui Martins
Berna (Suiça) - "Daqui de longe, vendo o tumulto provocado com o processo ‘Mensalão’ e a grande imprensa assanhada, me parece assistir a um show de hospício, no qual os réus e suspeitos financiam seus acusadores. O Brasil padece de sadomasoquismo, mas quem bate sempre é a direita e quem chora e geme é a esquerda.
Não vou sequer falar do “Mensalão”, em si mesmo, porque aqui na Suíça, país considerado dos mais honestos politicamente, ninguém entende o que se passa no Brasil. Pela simples razão de que os suíços têm seu “Mensalão”, perfeitamente legal e integrado na estrutura política do país [e efeito colateral da democracia "capitalista" em geral em todo o mundo].
Cada deputado ou senador eleito é imediatamente contatado por bancos, laboratórios farmacêuticos, seguradoras, investidores e outros grupos para fazer parte do conselho de administração, mediante régio pagamento mensal. Um antigo presidente da Câmara dos deputados, Peter Hess, era vice-presidente de 42 conselhos de administração de empresas suíças e faturava cerca de meio-milhão de dólares mensais.
Com tal generosidade, na verdade uma versão helvética do “Mensalão”, os grupos econômicos que governam a Suíça têm assegurada a vitória dos seus projetos de lei e a derrota das propostas indesejáveis. E nunca houve grita geral da imprensa suíça contra esse tipo de controle e colonização do parlamento suíço.
Por que me parece masoca [masoquista] a esquerda brasileira e nisso incluo a presidente Dilma Rousseff e o PT ? Porque parecem gozar com as chicotadas desmoralizantes desferidas pelos rebotalhos da grande imprensa. Pelo menos, é essa minha impressão ao ler a prodigalidade com que o governo Dilma premia os grupos econômicos seus detratores.
“Batam, batam que eu gosto”, parece dizer o governo ao distribuir 70% da verba federal para a publicidade aos dez maiores veículos de informação (jornais, rádios e tevês), justamente os mais conservadores e direitistas do país, contrários ao PT, ao ex-presidente Lula e à atual presidenta Dilma.
Quando soube dessa postura masoquista do governo, fui logo querer saber quem é o responsável por essa distribuição absurda que exclui e marginaliza a sempre moribunda mídia da esquerda e ignora os blogueiros, responsáveis pela correta informação em circulação no país.
Trata-se de uma colega de “O Globo”, Helena Chagas, para quem a partilha é justa – recebe mais quem tem mais audiência! diz ela.
Mas isso é raciocínio minimalista! Então, o povo elege um governo de centro-esquerda e, quando esse governo tem o poder, decide alimentar seus inimigos em lugar de aproveitar o momento para desenvolver a imprensa nanica de esquerda ?
O “Brasil de Fato”, a revista “Caros Amigos”, o “Correio do Brasil” fazem das tripas coração para sobreviver, seus articulistas trabalham por nada ou quase nada, assim como centenas de blogueiros, defendendo a política social do governo e a senhora Helena Chagas com o aval da Dilma Rousseff nem dá bola, entrega tudo para a “Veja”, “Globo”, “Folha”, “SBT”, “Record”, “Estadão” e outros do mesmo time ?
Assim, realmente, não dá para se entender a política de comunicação do governo. Será que todos nós jornalistas de esquerda que votamos na Dilma somos paspalhos ?
Aqui na Europa, onde acabei ficando depois da ditadura militar, existe um equilíbrio na mídia. A França tem “Le Figaro”, mas existe também o “Libération” e o “Nouvel Observateur”. Em todos os países, existem opções de direita e de esquerda na mídia. E os jornais de esquerda têm também publicidade pública e privada que lhe permite manter boa qualidade e pagar bons salários aos jornalistas.
Comunicação é peça chave num governo, por que a presidenta Dilma não premiou um de seus antigos colegas e colocou na sucessão de Franklin Martins um competente jornalista de esquerda, capaz de permitir o surgimento no país de uma mídia de esquerda financeiramente forte ?
Exemplo não falta. Getúlio Vargas, quando eleito, sabia ser necessário um órgão de apoio popular para um governo que afrontava interesses internacionais, ao criar a Petrobras e a siderurgia nacional. E incumbiu Samuel Wainer dessa missão com a “Última Hora”. O jornal conseguiu encontrar a boa receita e logo se transformou num sucesso.
O governo tem a faca e o queijo nas mãos – vai continuar dando o filet mignon aos inimigos ou se decide a dar condições de desenvolvimento para uma imprensa de esquerda no Brasil ?”
FONTE: escrito por Rui Martins, de Berna, Suíça. O autor é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, membro eleito do Conselho Provisório e do atual Conselho de Emigrantes (CRBE) junto ao Itamaraty. Criou os movimentos “Brasileirinhos Apátridas” e “Estado dos Emigrantes”. Vive em Berna, na Suíça. Escreveu o livro “Dinheiro Sujo da Corrupção” sobre as contas suíças secretas de Maluf. Colabora com o “Expresso”, de Lisboa, “Correio do Brasil” e “agência BrPress”. Artigo publicado no site “Direto da Redação (http://www.diretodaredacao.com/noticia/o-governo-financia-a-direita). [Trechos entre colchetes adicionados por este blog 'democracia&política'].
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